IA na AP

Inteligência Artificial (IA) na Administração Pública (AP)

A utilização de técnicas de Inteligência Artificial (IA) na Administração Pública (AP) está neste momento num processo de expansão, fomentada pela transformação digital em curso. São conhecidas aplicações na maioria das áreas de atuação da AP, desde a saúde à justiça. Segue-se um breve sumário das possibilidades conhecidas de aplicação a várias áreas.


Aplicações na Saúde

O sector da saúde é um dos mais promissores em termos de aplicação de ferramentas de IA, seja pela disponibilidade de dados (sensores biométricos, radiologia, registos médicos, historial clínico, etc.), pelas oportunidades de economia de recursos num sector de custos elevados e crescentes, e pelos ganhos que advêm da antecipação para o processo de planeamento e organização de recursos.

Acontece que parte dos dados gerados nos sistemas nacionais de saúde não são estruturados em tabelas de dados (e.g. o texto dos registos médicos em consultas), o que dificulta o seu tratamento quer por médicos (uma vez que a informação relevante está rodeada de ruído), quer por abordagens baseadas em aprendizagem automática e de análise de dados. Contudo, existem abordagens de extração de informação associadas a técnicas de processamento de linguagem natural que permitem que esse tipo de dados ganhe estrutura. Tal é o propósito, por exemplo, do projeto Extracting clinical knowledge from electronic medical records (Lamy, Pereira, Ferreira, Melo, & Velez, 2018), que conta com contributos de autores do Iscte, e é também a solução oferecida pela empresa SavanaMed, com o produto já no mercado. A FCT financiou o projecto ICDS4IM em 2018, que pretende também extrair este tipo informação a partir de notas médicas, utilizando-as para estabelecer relações causa-efeito e auxiliar o processo de tomada de decisão em cuidados intensivos.

A utilização de ferramentas de IA para automatizar diagnósticos tem diversas aplicações especificas, seja para a identificação de tumores em imagens médicas (e.g. Saba, 2020), para a identificação de doenças neurológicas a partir de neuroimagens obtidas por ressonância magnética (e.g. projeto FCT inCode NeuroBioAI financiado em 2018) ou a identificação de doenças na retina associadas à diabetes a partir de fotos (Vidal-Alaball, Royo Fibla, Zapata, Marin-Gomez, & Solans Fernandez, 2019). Outro exemplo é a deteção de problemas de dislexia através da análise do movimento dos olhos em crianças durante a leitura, como é feito na solução desenvolvida pela empresa Lexplore. Mas existem também já médicos virtuais, como é o caso do Mediktor, um chatbot desenvolvido e utilizado em Espanha, que através da interação com o paciente consegue diagnosticar corretamente com 91% de acuidade, utilizando NLP para identificar os sintomas descritos pelos pacientes e aprendizagem automática para definir o diagnóstico.  Uma solução deste tipo pode facilitar e acelerar o processo de triagem em serviços de urgências.

Outro ramo de aplicações diz respeito à antecipação do fluxo de doentes esperado em hospitais. Em Itália é utilizado um sistema baseado em IA (chamado Risker) que, com base nas características demográficas da população e nos dados históricos e sazonalidade, prediz as necessidades de hospitalização para os dias seguintes, permitindo uma melhor organização dos serviços hospitalares e dos recursos humanos. No mesmo sentido, no artigo Early and Real-Time Detection of Seasonal Influenza Onset (Won, Marques-Pita, Louro, & Gonçalves-Sá, 2017) os autores conseguem antecipar os alertas e a sazonalidade da época de gripe por várias semanas para oito países europeus, tendo por base diversos tipos de dados e abordagens de aprendizagem automática. Como extensão deste trabalho, elementos desta equipa pretendem antecipar globalmente as admissões em unidades de cuidados de emergência em Portugal, sendo esse o âmbito do projecto IPPU, financiado pela FCT em 2018.

Ainda no que diz respeito à antecipação, o projecto LAIFEBLOOD, financiado pela FCT em 2019, pretende prever a capacidade de colheita de sangue e as necessidades de transfusão, no tempo e no espaço, tendo em vista aumentar a eficiência da gestão da oferta e procura de sangue em Portugal, sendo mais um exemplo de como a antecipação pode tornar os sistemas de saúde mais eficazes e resilientes. Outro exemplo português, também financiado pela FCT em 2018, é o projeto DATA2HELP que pretende desenvolver sistemas de previsão da quantidade de procura por veículos de emergência médica em diferentes áreas geográficas a fim de otimizar o número de veículos e equipas disponíveis.

Também com recurso à digitalização, à interpretação de sinal de sensores e a abordagens de aprendizagem automática, é possível acompanhar e monitorizar doentes e prever riscos, ajudando-os a melhor gerir a doença e mantendo os profissionais de saúde mais bem informados. Promptly, Personal Health Digital Twins e AdsuM+ são soluções já no mercado que recolhem, estruturam e armazenam dados biométricos dos pacientes (seja durante hospitalização, seja no dia a dia) e utilizam abordagens de aprendizagem automática para prever a sua evolução e riscos associados e para lhes dar recomendações de bem-estar. O AsthmaFit é uma solução já no mercado que monitoriza o ambiente, através de sensores, para a existência de substâncias potenciadoras de ataques de asma e que, baseando-se no reporte de sintomas por parte do utilizador, mapeia o risco de determinados tipos de atividade em certos locais, ajudando-o a gerir melhor a doença respiratória.  DM4ALL e DIAWATCH são soluções desenvolvidas por procuração a nível europeu, com a participação de entidades Portuguesas, para o acompanhamento e monitorização de pacientes com diabetes tipo II, que afirmam utilizar sistemas baseados em aprendizagem automática para traçar o perfil dos pacientes e adequar recomendações para o tratamento da doença.

Há ainda um ramo de aplicações, que permite aliviar as necessidades de cuidados hospitalares, que diz respeito à reabilitação remota. Neste sentido, os ARC-intellicare e WeRehab são duas soluções já no mercado, desenvolvidas por procuração conjunta europeia, que tiram partido de um sistema de sensores e uma plataforma de software para permitir a reabilitação após AVC. As soluções afirmam tirar partido de aprendizagem automática para perceber e interpretar os exercícios desempenhados pelos pacientes, personalizar o tipo de exercícios para estes desenvolverem e prever o progresso do paciente. No mesmo âmbito, o ISCTE participa no projecto TailorPhy, que se propõe desenvolver uma rede de sensores corporais que, aliados a sistemas de jogos em realidade virtual e aumentada e aprendizagem automática, sejam capazes de auxiliar diagnósticos e o desenho de estratégias em fisioterapia.


Aplicações em Proteção Civil

Na área da proteção civil, a IA pode contribuir para antecipar situações calamitosas e assim ajudar ao planeamento e organização dos meios necessários.

Por exemplo, na gestão de fogos florestais é possível encontrar aplicações de aprendizagem automática para prever a meteorologia, nomeadamente a ocorrência de trovoadas, classificar se estas serão secas ou acompanhadas de chuva, e assim prever melhor a ocorrência de ignições em determinadas áreas nos próximos dias, fornecendo antecipadamente informação crucial para a melhor alocação dos meios disponíveis e preparação para combate aos incêndios. Através do reconhecimento de imagens via satélite e de drones, é também possível identificar ignições ou caracterizar o tipo de combustíveis em determinada área de forma automática. Também no combate direto aos fogos florestais, abordagens de aprendizagem automática têm-se mostrado mais eficazes que outras tradicionalmente usadas na previsão do comportamento do incêndio e do montante de área a arder.  Em Jain et al. (2020) encontra-se uma revisão sistemática de literatura sobre abordagens de aprendizagem automática à gestão de incêndios florestais.

Também no caso de inundações, algoritmos de aprendizagem automática têm-se tornado a regra para antecipar cheias, prever alterações em cursos de água, prever tempo de escoamento ou evaporação da água, o impacto na qualidade da água, e até mapear os locais mais suscetíveis de ficarem danificados.  Mosavi, Ozturk, & Chau (2019) apresentam uma revisão de literatura extensiva sobre o tema.

As ferramentas de IA podem ser úteis na prevenção de acidentes rodoviários. É isso que ambiciona o projeto MOPrevis, financiado pela FCT em 2018, com o objetivo de modelação e previsão de acidentes rodoviários no distrito de Setúbal, promovido pela Universidade de Évora em parceria com a GNR. Assim será possível identificar fatores potenciadores de acidentes e locais propensos a acidentes (“hotspots”) a fim de adequar estratégias preventivas que permitam reduzir a sinistralidade.

As redes sociais são hoje um local de rápida e abundante difusão de informação, nomeadamente acerca de sinistralidades. Ferramentas de IA podem tornar possível a rápida identificação e extração dessa informação e canalizá-la para as entidades de resposta a emergências competentes, aprontando a resposta a emergências. É esse o propósito do sistema DisKnow (Boné, Dias, Ferreira, & Ribeiro, 2020), um sistema de extração de dados de redes sociais que procura identificar, extrair e sistematizar informação sobre desastres com o objetivo de informar e apoiar a gestão de crises. O sistema foi desenvolvido com a participação de investigadores do ISCTE.

Dos Estados Unidos da América[1] surge um exemplo de como a IA pode também tornar a respostas de emergência médicas mais eficientes, através de um sistema que classifica as chamadas de emergência médica a respeito da necessidade de existir transporte de doentes para o hospital ou se apenas é necessário apoio no local, permitindo adequar a utilização da frota de ambulâncias, otimizar a sua localização e até complementar a resposta a emergências com equipas preventivas que utilizam outros meios de transporte que não possibilitam transporte de doentes. 


Economia, Governança e Segurança social

Na governação do país, à semelhança do que acontece com outros sectores da AP, a antecipação pode ser crucial. Parte do trabalho de gabinetes de estudos do Estado passa por antecipar cenários macroeconómicos, de forma a melhor planear a governação (e.g. que despesas públicas efetuar sabendo com que receitas se pode contar e que despesas não controláveis podem ocorrer, como as despesas de segurança social). Nesse sentido, a antecipação de indicadores macroeconómicos pode ser uma mais valia e a AA pode contribuir para o fazer (Coulombe, Leroux, Stevanovic, & Surprenant, 2020). O mesmo se aplica à antevisão das colheitas agrícolas, podendo auxiliar o sector a definir melhores estratégias de preços e a tornar-se mais resiliente (van Klompenburg, Kassahun, & Catal, 2020).

No auxílio às economias, as ferramentas de IA podem também ajudar a planear localizações de negócios, através da antevisão do sucesso de determinado negócio em determinada localização. Por exemplo, em França[2] é utilizado um sistema de IA para prever as probabilidades de sucesso de determinado artesão em determinada área, informando-o sobre a melhor localização estimada e aumentando as suas probabilidades de sucesso. Outro exemplo em como a AI pode auxiliar as economias é no emparelhamento entre vagas de emprego e desempregados, como acontece no sistema francês chamado Bob-emploi[3].  Em Portugal um projecto da Nova SBE em parceria com o IEFP permite antecipar o risco de um desempregado ficar numa situação de desemprego de longa duração, levando a que sejam adequadas estratégias para que tal não aconteça. No mesmo sentido, mas para o problema dos jovens que não se encontram nem em educação nem em emprego (NEET), a cidade de Essex utiliza uma solução de IA para prever o risco de jovens de 14 anos virem a encontrar-se numa situação de NEET aquando da maioridade, ajudando a desenvolver estratégias de intervenção precoces (Mikhaylov, Esteve, & Campion, 2018).

Outra componente importante da governança é a sua interação democrática com os cidadãos, hoje em dia facilitada pela internet. A plataforma Belga CitizenLab[4] é um local online de participação pública que usa aprendizagem automática para processar os contributos dos cidadãos, classificando ideias, sinalizando tópicos emergentes e agrupando ideias por tema, origem demográfica e localização.

No que diz respeito à proteção social existe um exemplo Dinamarquês de como os dados administrativos podem ser utilizados para prever e sinalizar crianças em risco de vulnerabilidade social (Gladsaxe model[5]), desencadeando ações preventivas por parte das autoridades competentes.


Educação

Na área da Educação, o uso de dados pode permitir identificar estudantes com necessidades especiais, estudantes que apresentam risco de se tornarem ausentes ou reprovarem o ano e assim permitir a adaptação de estratégias educativas a fim de evitar esses cenários. Gil, da Cruz Martins, Moro, & Costa (2020) utilizam aprendizagem automática para prever o sucesso académico em alunos do ISCTE ao fim do primeiro ano, enquanto o projecto DS4AA, financiado pela FCT em 2018, pretende fazer o mesmo para os alunos do ensino básico e secundário.

Por outro lado, perspetiva-se também que através do uso de abordagens causais seja possível personalizar o ensino, adequando as estratégias a cada tipo de aluno, com base em dados que traduzam o seu progresso e as suas características individuais, numa abordagem a que se tem chamado de “aprendizagem adaptativa”, a qual tira partido dos efeitos causais individuais estimados de diversas estratégias pedagógicas para otimizar os resultados educacionais de cada aluno.

Por outro lado, a fim de melhor planear e organizar o sistema educacional de acordo com a distribuição de competências que importa estarem disponíveis no mercado de trabalho, a aprendizagem automática pode contribuir para modelar e ajudar a entender e prever o circuito dos estudantes ao longo dos vários níveis de ensino. É isso a que se propõe o projeto ModEst para o sistema de ensino português, um projeto financiado pela FCT em 2018.


Gestão Ambiental

Ao nível da gestão ambiental, as ferramentas de IA podem contribuir para antecipar cenários e alertas e monitorizar ecossistemas e espécies.

Por exemplo, a modelação com aprendizagem automática da distribuição de espécies contribui para uma regulamentação mais eficaz da sua extração; o projeto MATISSE, financiado pela FCT em 2019, visa prever a contaminação de bivalves antecipando decisões de encerramento de culturas ou alterações de licenças, permitindo aos produtores adotarem estratégias mais resilientes.

Na cidade de Chicago um sistema open-source baseado em aprendizagem automática prevê os locais e probabilidades de concentração de e-coli na rede de água[7] e outro sistema extrapola das análises à água em algumas praias para averiguar a qualidade da água na totalidade das praias[8], sem que sejam necessárias recolhas e antecipando alertas e precauções.

A aprendizagem automática pode também ajudar na antecipação de secas (Rhee, Im, & Park, 2016) permitindo a emissão de alertas e a alteração atempada de consumos.

A aprendizagem automática pode ser utilizada para medir a altura e identificar espécies de árvores através de imagens satélite, e assim aproximar a quantidade de carbono que é sequestrado em determinada região, essencial para atingir objetivos de neutralidade carbónica e melhor planear a gestão de florestas.  Para uma revisão do uso destas tecnologias para estes fins ver Rodríguez-Veiga, Wheeler, Louis, Tansey, & Balzter (2017).

A aprendizagem automática pode também ajudar a detetar o corte de árvores de forma ilegal utilizando imagens satélite (Hethcoat et al., 2019) ou mesmo identificando o som de serras através de sensores simples.

As ferramentas de visão computacional podem ser úteis para classificar tipos de espécies encontradas através de fotos, procedendo assim à sua contagem automática, o que até aqui era uma tarefa muito intensiva em trabalho (e.g. Norouzzadeh et al., 2018).


Gestão Municipal

Os municípios têm a seu cargo responsabilidades e produzem diversos serviços para o cidadão que podem tirar partido de sistemas de IA. Por exemplo, o controlo de pragas, como roedores, pode beneficiar de um sistema que identifique pontos quentes de surgimento destas e a sua sazonalidade. Os dados históricos, combinados com as denúncias que são recebidas diariamente, permitem identificar por extrapolação os pontos de surgimento destas pragas que não foram denunciados, mas que é provável que existam. Um sistema deste tipo já é utilizado nos EUA[9].

Outras responsabilidades dos municípios têm a ver com a mobilidade dos seus cidadãos, seja a nível de gestão da infraestrutura de transportes públicos, da manutenção de estradas, ou do planeamento e gestão do tráfego urbano. Todos estes podem tirar partido de estratégias de IA. Por exemplo, em Automatic Prediction of Maintenance Intervention Types in Roads using Machine Learning and Historical Records (Morales, Reyes, Caceres, Romero, & Benitez, 2018), os autores usam dados históricos sobre manutenção de vias para prever onde e que tipo de intervenção de manutenção de vias deve ser realizada, conduzindo a uma gestão mais eficaz e eficiente dos troços. Ainda no campo da “manutenção preditiva”, o mesmo tipo de estratégia pode ser utilizada para a gestão dos vários equipamentos municipais (máquinas, autocarros, elétricos, comboios, etc), visando prever que equipamentos precisam de manutenção em cada momento, evitando que determinados serviços entrem em falência. O projecto FailStopper, financiado pela FCT em 2018, propõe-se a fazer isso mesmo para o Metro do Porto. Para uma revisão sistemática da literatura neste domínio pode ser consultado Carvalho et al. (2019).Ainda no contexto da mobilidade, o projecto iLU, financiado pela FCT em 2018, pretende integrar e enriquecer os dados de mobilidade para o município de Lisboa e propõe-se a utilizar estratégias de aprendizagem supervisionada para prever situações de congestionamento de tráfego e de otimizar a utilização dos sinais luminosos e painéis de informações, a fim de melhorar a circulação com recurso a aprendizagem por reforço.

Outra responsabilidade de algumas autarquias prende-se com a gestão das redes e infraestruturas de água. Neste domínio, tornam-se úteis sistemas de previsão do consumo de água, da qualidade das águas, deteção e localização de fugas ou outros eventos anómalos como consumo ilegal ou de contadores danificados, previsão da subida de águas e o impacto do clima e dos consumos nos cursos de água, entre outros. Existem dois projetos apoiados pela FCT destinados à implementação em Portugal de sistemas de IA para estes fins: WISDom em 2018 e PAMwater em 2019. Também neste domínio existem contributos de investigadores do Iscte que se podem encontrar em Precise water leak detection using machine learning and real-time sensor data (Alves Coelho, Glória, & Sebastião, 2020).


Segurança e Justiça

No que diz respeito à gestão da segurança pública, tem vindo a registar-se uma tendência crescente de sistemas de policiamento baseados em previsão por AA. O seu objetivo é antecipar quando e onde é mais provável que surjam certas ocorrências policiais, de modo a que os meios disponíveis possam ser organizados para garantir uma vigilância mais eficaz ou uma resposta mais rápida. Exemplos desses sistemas são o Predpol nos EUA, o iPolice na Bélgica, KeyCrime e eSecurity na Itália, Criminaliteits Anticipatie Systeem na Holanda e o Paved na França.

Outro exemplo inovador da utilização de IA em forças de segurança vem de Espanha, onde o sistema Veripol é utilizado para detetar denúncias falsas.

IA pode também tirar partido de sistemas de videovigilância para facilitar o trabalho das forças de segurança, seja através do reconhecimento facial para identificação de alvos em fuga, como acontece na Alemanha[10], sendo uma área já bastante estudada pela academia (Kumar, Kumar, Malathi, Vengatesan, & Ramakrishnan, 2018), seja na deteção de eventos anómalos, como episódios de violência ou roubo (Nasaruddin, Muchtar, Afdhal, & Dwiyantoro, 2020) ou mesmo aplicado ao tráfego de automóveis (Kumaran, Dogra, & Roy, 2019).

Ainda no auxílio às forças de segurança, a IA pode ser útil nas ciências forenses, como é exemplo o projecto Balcat (em que o Iscte participa), onde se procura identificar o tipo de arma disparada através da análise dos invólucros.

Na justiça já são aplicados sistemas de determinação de níveis de risco a fim de auxiliar decisões judiciais como é o caso do risco de reincidência em crimes (e.g. sistema SAVRY em Espanha e COMPAS nos EUA) ou o risco de os indivíduos se tornarem prisioneiros violentos e necessitarem de medidas de proteção especiais (e.g. sistema RisCanvi em Espanha, LSI-R no Canadá ou OaSys no Reino Unido).

Outro serviço em que AI é útil para a justiça é em descoberta eletrónica (Ashley, 2017), sendo um bom exemplo deste tipo de aplicação o projeto IRIS (em que o ISCTE participa), focado no desenvolvimento de soluções automáticas de sumarização técnica de decisões judiciais e de uma plataforma que simplifique o processo de tomada de decisão, englobando toda a informação relevante organizada de forma visualmente simples.


Regulação e supervisão

As ferramentas de IA podem também ser úteis na deteção de atividades ilegais em diversos domínios e fornecer indicadores de risco de que tal possa vir a acontecer. Por exemplo, o ARACHNE é um sistema que agrega várias fontes de informação e procura prever o uso fraudulento dos Fundos Estruturais Europeus. Sistemas semelhantes podem ser desenvolvidos para a análise de atribuição de qualquer tipo de subsídio ou benefício económico. Outro exemplo é a criação de sistemas que identificam operadores a fiscalizar, como é feito em Chicago e também em Portugal pela ASAE, através do projeto IA.SAE financiado pela FCT em 2018, que implementa um sistema inteligente de análise de reclamações e denúncias, de modo a caracterizar o tipo/área de atividade, relevância operacional/ilícito e a proceder à respetiva categorização e priorização. Sistemas semelhantes podem ser desenvolvidos para qualquer entidade que lide com denúncias e fiscalização de operadores económicos.

No âmbito da coleta de impostos, existe registo de uso de AA na deteção de fraude em declarações de rendimentos de forma supervisionada (Pérez López, Delgado Rodríguez, & de Lucas Santos, 2019) e não supervisionada (de Roux, Perez, Moreno, Villamil, & Figueroa, 2018)

No que diz respeito ao crime financeiro, podem ser criados sistemas de deteção de fraude no reporte financeiro (e.g. CIRA nos EUA; para uma revisão de literatura sobre o tópico, ver West & Bhattacharya (2016)) e de insider trading (e.g. Artemis nos EUA) como é feito em Islam, Khaled Ghafoor, & Eberle, (2018).

Em agências alfandegárias, utilizando a descrição de produtos, ferramentas de IA possibilitam identificar a sua classificação em termos de imposto a ser coletado, identificando assim os que estão mal classificados na origem e por isso apresentam declarações fraudulentas, como é feito em Ding, Fan, & Chen (2015)

Outro exemplo de monitorização e supervisão de atividades económicas encontra-se no projeto SeaITall, no qual o Iscte participa, que pretende desenvolver um sistema que integra um conjunto de soluções para a monitorização e controlo de atividades pesqueiras, tirando partido de reconhecimento de imagens por computador e de identificação dos padrões de embarcações.


Referências

Ashley, K. D. (2017). Artificial Intelligence and Legal Analytics. Cambridge: Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781316761380

Carvalho, T. P., Soares, F. A. A. M. N., Vita, R., Francisco, R. da P., Basto, J. P., & Alcalá, S. G. S. (2019). A systematic literature review of machine learning methods applied to predictive maintenance. Computers & Industrial Engineering, 137, 106024. https://doi.org/10.1016/j.cie.2019.106024

Coulombe, P. G., Leroux, M., Stevanovic, D., & Surprenant, S. (2020). How is Machine Learning Useful for Macroeconomic Forecasting? https://doi.org/2008.12477

de Roux, D., Perez, B., Moreno, A., Villamil, M. del P., & Figueroa, C. (2018). Tax Fraud Detection for Under-Reporting Declarations Using an Unsupervised Machine Learning Approach. In Proceedings of the 24th ACM SIGKDD International Conference on Knowledge Discovery & Data Mining (pp. 215–222). New York, NY, USA: ACM. https://doi.org/10.1145/3219819.3219878

Ding, L., Fan, Z., & Chen, D. (2015). Auto-Categorization of HS Code Using Background Net Approach. Procedia Computer Science, 60, 1462–1471. https://doi.org/10.1016/j.procs.2015.08.224

Gil, P. D., da Cruz Martins, S., Moro, S., & Costa, J. M. (2020). A data-driven approach to predict first-year students’ academic success in higher education institutions. Education and Information Technologies. https://doi.org/10.1007/s10639-020-10346-6

Hethcoat, M. G., Edwards, D. P., Carreiras, J. M. B., Bryant, R. G., França, F. M., & Quegan, S. (2019). A machine learning approach to map tropical selective logging. Remote Sensing of Environment, 221, 569–582. https://doi.org/10.1016/j.rse.2018.11.044

Islam, S. R., Khaled Ghafoor, S., & Eberle, W. (2018). Mining Illegal Insider Trading of Stocks: A Proactive Approach. In 2018 IEEE International Conference on Big Data (Big Data) (pp. 1397–1406). IEEE. https://doi.org/10.1109/BigData.2018.8622303

Jain, P., Coogan, S. C. P., Subramanian, S. G., Crowley, M., Taylor, S., & Flannigan, M. D. (2020). A review of machine learning applications in wildfire science and management. Environmental Reviews, 28(4), 478–505. https://doi.org/10.1139/er-2020-0019

Kumar, V. D. A., Kumar, V. D. A., Malathi, S., Vengatesan, K., & Ramakrishnan, M. (2018). Facial Recognition System for Suspect Identification Using a Surveillance Camera. Pattern Recognition and Image Analysis, 28(3), 410–420. https://doi.org/10.1134/S1054661818030136

Kumaran, S. K., Dogra, D. P., & Roy, P. P. (2019). Anomaly Detection in Road Traffic Using Visual Surveillance: A Survey. https://doi.org/10.1145/3417989

Lamy, M., Pereira, R., Ferreira, J. C., Melo, F., & Velez, I. (2018). Extracting clinical knowledge from electronic medical records. IAENG International Journal of Computer Science, 45(3), 488–493.

Mikhaylov, S. J., Esteve, M., & Campion, A. (2018). Artificial intelligence for the public sector: opportunities and challenges of cross-sector collaboration. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, 376(2128), 20170357. https://doi.org/10.1098/rsta.2017.0357

Morales, F. J., Reyes, A., Caceres, N., Romero, L., & Benitez, F. G. (2018). Automatic Prediction of Maintenance Intervention Types in Roads using Machine Learning and Historical Records. Transportation Research Record: Journal of the Transportation Research Board, 2672(44), 43–54. https://doi.org/10.1177/0361198118790624

Mosavi, A., Ozturk, P., & Chau, K. (2019). Flood Prediction Using Machine Learning Models: Literature Review. https://doi.org/10.3390/w10111536

Nasaruddin, N., Muchtar, K., Afdhal, A., & Dwiyantoro, A. P. J. (2020). Deep anomaly detection through visual attention in surveillance videos. Journal of Big Data, 7(1), 87. https://doi.org/10.1186/s40537-020-00365-y

Norouzzadeh, M. S., Nguyen, A., Kosmala, M., Swanson, A., Palmer, M. S., Packer, C., & Clune, J. (2018). Automatically identifying, counting, and describing wild animals in camera-trap images with deep learning. Proceedings of the National Academy of Sciences, 115(25), E5716–E5725. https://doi.org/10.1073/pnas.1719367115

Pérez López, C., Delgado Rodríguez, M., & de Lucas Santos, S. (2019). Tax Fraud Detection through Neural Networks: An Application Using a Sample of Personal Income Taxpayers. Future Internet, 11(4), 86. https://doi.org/10.3390/fi11040086

Rhee, J., Im, J., & Park, S. (2016). DROUGHT FORECASTING BASED ON MACHINE LEARNING OF REMOTE SENSING AND LONG-RANGE FORECAST DATA. ISPRS – International Archives of the Photogrammetry, Remote Sensing and Spatial Information Sciences, XLIB8, 157–158. https://doi.org/10.5194/isprsarchives-XLI-B8-157-2016

Rodríguez-Veiga, P., Wheeler, J., Louis, V., Tansey, K., & Balzter, H. (2017). Quantifying Forest Biomass Carbon Stocks From Space. Current Forestry Reports, 3(1), 1–18. https://doi.org/10.1007/s40725-017-0052-5

Saba, T. (2020). Recent advancement in cancer detection using machine learning: Systematic survey of decades, comparisons and challenges. Journal of Infection and Public Health, 13(9), 1274–1289. https://doi.org/10.1016/j.jiph.2020.06.033

van Klompenburg, T., Kassahun, A., & Catal, C. (2020). Crop yield prediction using machine learning: A systematic literature review. Computers and Electronics in Agriculture, 177, 105709. https://doi.org/10.1016/j.compag.2020.105709

Vidal-Alaball, J., Royo Fibla, D., Zapata, M. A., Marin-Gomez, F. X., & Solans Fernandez, O. (2019). Artificial Intelligence for the Detection of Diabetic Retinopathy in Primary Care: Protocol for Algorithm Development. JMIR Research Protocols, 8(2), e12539. https://doi.org/10.2196/12539

West, J., & Bhattacharya, M. (2016). Intelligent financial fraud detection: A comprehensive review. Computers and Security, 57, 47–66. https://doi.org/10.1016/j.cose.2015.09.005

Won, M., Marques-Pita, M., Louro, C., & Gonçalves-Sá, J. (2017). Early and Real-Time Detection of Seasonal Influenza Onset. PLOS Computational Biology, 13(2), e1005330. https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.1005330


[1] http://www.dssgfellowship.org/project/optimizing-the-quality-and-delivery-of-city-emergency-medical-services/

[2] https://www.numerique.gouv.fr/actualites/intelligence-artificielle-letat-sengage-pour-rendre-laction-publique-plus-simple-plus-efficace-au-benefice-des-francais/

[3] https://www.bob-emploi.fr/

[4] https://www.citizenlab.co/

[5] https://foreignpolicy.com/2018/12/25/the-welfare-state-is-committing-suicide-by-artificial-intelligence/

[6]  –

[7] https://github.com/Chicago/predicting-e-coli-concentrations

[8] https://github.com/Chicago/clear-water

[9] https://datasmart.ash.harvard.edu/news/article/using-predictive-analytics-to-combat-rodents-in-chicago-271

[10] https://www.spiegel.de/netzwelt/netzpolitik/berlin-gesichtserkennung-am-suedkreuz-ueberwachung-soll-ausgeweitet-werden-a-1232878.html